O SILÊNCIO ENTRE OS VERSOS

Publicado em 13 de julho de 2025 às 16:18

No mundo ruidoso em que vivemos, onde a informação é consumida ao ritmo de um deslizar de dedo, há livros que nos pedem outra postura. Livros que não se lêem apenas com os olhos, mas com o coração quieto. Um desses livros é o Alcorão, texto sagrado do Islão revelado ao Profeta Muhammad (S.A.W) ao longo de 23 anos, em momentos de meditação, solidão e escuta.

Não é raro ao pensarmos sobre religiões diferentes, cairmos em reduções simplistas. O Islão, tantas vezes retratado nos meios de comunicação por prismas políticos ou sociais, é antes de tudo uma vivência espiritual profunda. E no centro dessa vivência está o Alcorão, não como um código fechado de regras, mas como uma melodia que ressoa no íntimo daqueles que o ouvem.

Ler o Alcorão aproxima-nos mais da escuta de uma ayat do que da análise de um argumento. Cada surah é como uma onda que nos leva e nos traz, empurrando-nos para dentro de nós próprios.

Curiosamente, a palavra Alcorão vem de al-Qurʾān, que significa "a recitação". E isto é crucial: o texto foi concebido para ser ouvido, mais do que apenas lido. Há uma sabedoria antiga nisto, como se os significados mais profundos só pudessem emergir na vibração da voz, no silêncio entre os versos, no espaço aberto entre as palavras.

Para os muçulmanos, o Alcorão não é apenas um livro, é uma presença. É o verbo Divino manifestado.

É, ao mesmo tempo um guia, consolo e desafio. Os seus versículos interpelam e às vezes desconcertam, e convidam sempre à reflexão sobre o sentido da vida, sobre o bem e o mal e sobre o nosso lugar no mundo.

Há passagens que falam com uma beleza serena ao coração humano. Como esta:

"Em verdade, com a dificuldade vem a facilidade."

(Alcorão 94:6)

Ou esta, que convida à paciência e à confiança:

"E coloca a tua confiança em Deus, pois Deus é suficiente como guardião."

(Alcorão 33:3)

E ainda, talvez das mais conhecidas e universais:

"Ó humanidade, criámo-vos de um macho e de uma fêmea, e fizemo-vos povos e tribos para que vos conhecêsseis uns aos outros. O mais nobre de vós, diante de Deus, é o mais piedoso."

(Alcorão 49:13)

O Islão, cujo nome vem de salāmtem no Alcorão o seu coração palpitante. Um coração que pulsa com nomes divinos como Ar-Rahmān (O Clemente) e Ar-Rahīm (O Misericordioso), repetidos como mantras no início de quase todas as surah's. E não será essa a essência de qualquer procura espiritual verdadeira? Reencontrar a misericórdia num mundo ferido?

No momento em que tantas fronteiras se erguem e tantos muros se constroem, talvez nos caiba o gesto contrário: ouvir. 

Ouvir o que é diferente, ouvir o que é antigo, ouvir o que não sendo nosso pode ainda assim tocar algo em nós. Este artigo de blog não pretende explicar o Islão nem interpretar o Alcorão, apenas deixar um convite: abrir um espaço interior onde o sagrado, seja ele qual for, possa respirar.

Porque há algo de profundamente transformador em parar para ouvir um livro que foi, desde o início, um sopro.


DICIONÁRIO:

  • Alcorão - livro sagrado do Islão (Al-Qur'ān)
  • Ayat - termo árabe que significa "versículo"
  • Surah - termo árabe que significa "capítulo"
  • Salam - termo árabe que significa "paz"
  • S.A.W - Sallā Allah ʿalayh wa sallam (que a paz e as bênçãos de Allah estejam sobre ele)

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