A história das tribos judaicas em Medina é um dos capítulos mais marcantes do período inicial do Islão. Quando o Profeta Muhammad (S.A.W.) emigrou para Yathrib, mais tarde chamada Madinah al-Munawwarah (a Cidade Iluminada).
A cidade era habitada por tribos árabes e três grandes tribos judaicas: Banu Qaynuqa, Banu Nadir e Banu Qurayzah. Essas tribos possuíam influência económica e política significativa, controlando terras agrícolas, fortificações e o comércio local. Inicialmente, o Profeta (S.A.W.) estabeleceu com elas um acordo de convivência pacífica e cooperação, conhecido como a Constituição de Medina (Sahifat al-Madinah).
A CONSTITUIÇÃO DE MEDINA: UM PACTO DE JUSTIÇA E CONVIVÊNCIA
O Profeta Muhammad (S.A.W.) chegou a Medina com o objetivo de unir uma sociedade dividida entre clãs árabes e tribos judaicas. Ele redigiu um pacto histórico: a Constituição de Medina, que garantia liberdade religiosa, segurança e justiça a todos os habitantes da cidade, muçulmanos e judeus, desde que respeitassem os termos do acordo.
Entre as cláusulas estava o compromisso mútuo de não apoiar inimigos externos, respeitar a justiça comum e defender Medina em caso de ataque.
Este pacto refletia o princípio do Alcorão:
"Deus nada vos proíbe, quanto àquelas que não nos combateram pela causa da religião e não vos expulsaram dos vossos lares, nem que lideis com eles com gentileza e equidade, porque Deus aprecia os equitativos."
(Alcorão, 60:8)
No entanto, com o tempo, cada uma das três tribos judaicas rompeu o pacto de diferentes maneiras, o que levou a conflitos diretos com a comunidade muçulmana.
BANU QAYNUQA: A PRIMEIRA RUPTURA
Os Banu Qaynuqa foram a primeira das três tribos judaicas a quebrar o pacto. Eram conhecidos como artesãos e ourives, e viviam num bairro fortificado dentro de Medina.
Após a Batalha de Badr, em que os muçulmanos obtiveram uma vitória surpreendente, os Banu Qaynuqa demonstraram hostilidade aberta. O conflito começou quando um incidente no mercado levou a uma agressão a uma mulher muçulmana, e em seguida à morte de um judeu e de um muçulmano.
Um episódio que quebrou a paz.
O Profeta Muhammad (S.A.W.) tentou resolver a questão pacificamente, mas os Banu Qaynuqa recusaram, fortificando-se nas suas casas. Após um cerco de 15 dias, renderam-se e foram expulsos de Medina, de acordo com os termos do pacto. Partiram em direção à Síria (Sham), onde se estabeleceram.
BANU NADIR: A TRAIÇÃO E A EXPULSÃO
Os Banu Nadir eram uma tribo poderosa, proprietária de grandes plantações de tâmaras e com alianças fortes entre as tribos árabes. Inicialmente, mantiveram boas relações com os muçulmanos.
Contudo, após a Batalha de Uhud, planearam assassinar o Profeta Muhammad (S.A.W.) quando este foi à sua fortaleza para pedir ajuda financeira para pagar o diyah (compensação) de dois homens mortos acidentalmente.
O Alcorão faz referência a este episódio:
"Foi ele Quem expatriou os incrédulos, dentre os adeptos do Livro, quando do primeiro desterro. Pouco críeis (ó muçulmanos) que eles saíssem dos seus lares, porquanto supunham que as suas fortalezas os preservariam de Deus; porém, Deus os açoitou, por onde menos esperavam, e infundiu o terror em seus corações; destruíram as suas casas com suas próprias mãos, e com as mãos dos fiéis. Aprendei a lição, ó sensatos!"
(Alcorão, 59:2)
Após o plano de traição ser revelado por Allah, os Banu Nadir foram cercados. Depois de vários dias, renderam-se e foram expulsos de Medina, levando apenas o que podiam transportar nos seus camelos. Muitos foram viver para Khaybar, ao norte de Medina.
BANU QURAYZAH: A CONSPIRAÇÃO DURANTE A BATALHA DA COVA
Os Banu Qurayzah permaneceram em Medina após a expulsão das outras duas tribos. Tinham assinado o pacto de defesa mútua e estavam sob proteção do Estado islâmico.
Durante a Batalha da Cova (Al-Khandaq), quando os exércitos de Meca e várias tribos árabes cercaram Medina, os Banu Qurayzah romperam o tratado, aliando-se aos inimigos muçulmanos. Esta traição colocou em risco toda a cidade, especialmente as famílias e crianças dentro das muralhas.
Após a retirada dos exércitos inimigos, o Profeta Muhammad (S.A.W.) ordenou que o caso fosse julgado segundo a própria lei judaica. O árbitro escolhido, Sa’d ibn Mu’adh (R.A.), decidiu conforme a Torá, que previa punição severa para a traição em tempos de guerra.
O Alcorão menciona este episódio:
"E fez descer das suas fortalezas aqueles que os ajudaram dentre os seguidores do Livro, e lançou o terror nos seus corações: a um grupo matastes, e a outro fizestes prisioneiro."
(Alcorão 33:26)
A sentença foi executada de acordo com a lei judaica, e os sobreviventes foram tratados com justiça.
LIÇÕES DO PROFETA MUHAMMAD (S.A.W.)
A relação do Profeta Muhammad (S.A.W.) com as tribos judaicas de Medina demonstra a sua paciência, justiça e respeito pelos pactos. Ele manteve a paz enquanto foi possível e só respondeu militarmente após múltiplas quebras de confiança e conspirações comprovadas.
O Profeta (S.A.W.) disse:
"Narrado por 'Abdullah bin 'Amr: O Profeta (que a paz e bênçãos de Allah estejam sobre ele) disse: "Quem matar uma pessoa que tem um tratado com os muçulmanos, não sentirá o cheiro do Paraíso, embora o seu cheiro seja sentido a uma distância de quarenta anos.""
(Sahih al-Bukhari, nº 3166)
Este ensinamento mostra que o Islão proíbe a traição e a injustiça, mesmo contra aqueles que não partilham a mesma fé.
As histórias das tribos judaicas em Medina, Banu Qaynuqa, Banu Nadir e Banu Qurayzah, revelam a complexidade das relações políticas e religiosas no início do Islão. O Profeta Muhammad (S.A.W.) sempre procurou a convivência pacífica, a justiça e o respeito mútuo, mas não tolerou traições que ameaçassem a segurança da comunidade.
Estas narrativas mostram que o Islão valoriza a fidelidade aos acordos, a justiça e a compaixão, mesmo em tempos de conflito. A mensagem do Profeta (S.A.W.) permanece clara: a paz e a justiça são os fundamentos de uma sociedade verdadeiramente guiada por Allah.
DICIONÁRIO:
- Allah - Deus
- S.W.T - Subhānahu wa ta'ālā (Glorificado e Exaltado seja Ele)
- Alcorão - livro sagrado do Islão (Al-Qur'ān)
- S.A.W - Sallallāhu ‘alayhi wa sallam, expressão dita após mencionar o Profeta Muhammad, que significa “Que Allah o abençoe e lhe conceda paz”
- R.A - significa "Raḍiya Allāhu ‘anha", ou seja, "Que Allah esteja satisfeito com ela"
- Sunnah - ensinamentos, ações e exemplos do Profeta Muhammad (S.A.W)
- Hadith - relato ou tradição, em árabe, regista as palavras, ações e aprovações do Profeta Muhammad (S.A.W) e serve de guia complementar ao Alcorão.
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