O PODER DA ECONOMIA HALAL NO SÉCULO XXI

Publicado em 21 de setembro de 2025 às 08:00

A economia halal transcende o mero consumo de alimentos permitidos, configurando-se como um ecossistema global que harmoniza preceitos religiosos, princípios éticos de negócios e avanços inovadores. Este cenário já exerce uma influência significativa em setores como alimentação, finanças, moda, turismo e cosméticos. Para os muçulmanos, a adesão ao halal representa simultaneamente um ato de fé e obediência a Allah (S.W.T), bem como uma decisão fundamentada em valores econômicos e éticos.

O QUE É A “ECONOMIA HALAL”?

                                  Economia halal refere-se ao conjunto de bens e serviços produzidos, certificados e consumidos de acordo com princípios islâmicos: produtos alimentares halal, serviços de viagem “muslim-friendly”, finanças islâmicas (sharia-compliant), moda modesta, cosmética e farmacêutica halal, entre outros. É um conceito que une conformidade religiosa com padrões de qualidade, rastreabilidade e ética empresarial.


                                  DIMENSÃO E CRESCIMENTO (FATOS RECENTES)

                                  O setor tem crescido de forma consistente e rápida. Segundo o State of the Global Islamic Economy (SGIE) Report da DinarStandard:

                                  • O gasto dos consumidores em setores ligados à economia islâmica atingiu valores na ordem dos biliões de dólares, com o mercado a registar crescimento anual e projeções significativas para a próxima década. (DinarStandard)

                                  • Dados setoriais destacam, por exemplo, uma dimensão muito grande da indústria alimentar halal (triliões de dólares em consumo global) e um rápido crescimento da banca e dos ativos financeiros islâmicos. (DinarStandard)

                                  Observação: as estimativas variam consoante a metodologia, os relatórios especializados como o SGIE são referências amplamente usadas para avaliar tendências e tamanhos de mercado.


                                                                  FUNDAMENTOS DO PONTO DE VISTA ISLÂMICO (ALCORÃO E SUNNAH)

                                                                  • Permissão do comércio e proibição do riba: O Alcorão sublinha que o comércio é permitido enquanto o riba (usura/juros injustos) é proibido, um princípio que sustenta a expansão das finanças islâmicas como alternativa ética à banca convencional.

                                                                    • Os que praticam a usura só serão ressuscitados como aquele que foi perturbado por Satanás; isso, porque disseram que a usura é o mesmo que o comércio; no entanto, Deus consente o comércio e veda a usura. Mas, quem tiver recebido uma exortação do seu Senhor e se abstiver, será absolvido pelo passado, e seu julgamento só caberá a Deus. Por outro lado, aqueles que reincidirem, serão condenados ao inferno, onde permanecerão eternamente.” - (Alcorão, 2:275)

                                                                  • Consumo do que é tayyib (lícito e puro): O Alcorão ordena aos crentes que comam do que é bom e lícito, ligando a licitude da subsistência à qualidade da adoração e das súplicas.

                                                                    • "Ó fiéis, desfrutai de todo o bem com que vos agraciamos e agradecei a Deus, se só a Ele adorais." - (Alcorão, 2:172)

                                                                  • Aceitação daquilo que é puro (hadith): A Sunnah reforça a ideia de que Allah (S.W.T) só aceita o que é puro; isto tem implicações económicas: meios lícitos de subsistência e práticas comerciais honestas são parte integrante da vida espiritual.

                                                                    • “Ó povo, Allah é Bom e, por isso, aceita apenas o que é bom. E Allah ordenou aos crentes tal como ordenou aos Mensageiros, dizendo: ‘Ó Mensageiros, comei do que é bom e praticai boas obras; em verdade Eu conheço bem o que fazeis’ (23:51). E disse: ‘Ó vós que credes, comei das coisas boas com que vos providenciámos’ (2:172).”
                                                                      Em seguida, mencionou um homem que viaja longamente, com o cabelo desgrenhado e coberto de pó. Levanta as mãos para o céu (fazendo súplica): ‘Ó Senhor, ó Senhor’, enquanto a sua alimentação é ilícita, a sua bebida é ilícita, a sua roupa é ilícita e o seu sustento é ilícito. Como poderá então ser aceite a sua súplica?” - (Sahih Muslim, Hadith 1015)

                                                                   

                                                                                                  Estes textos formam a base normativa: a economia halal não é apenas nicho de consumo, é expressão prática de valores do Alcorão e da Sunnah aplicados à vida económica.


                                                                                                  SETORES-CHAVE DA ECONOMIA HALAL NO SÉCULO XXI

                                                                                                  • Alimentação halal: o núcleo histórico: rastreabilidade, certificação, abate conforme regras islâmicas, mas hoje integrado em cadeias globais de produção e retalho. Estudos e relatórios apontam para valores enormes e crescimento constante.

                                                                                                  • Finanças Islâmicas (Islamic Finance): ativos e produtos sharia-compliant (sukuk, takaful, bancos islâmicos) que têm crescido rapidamente como alternativa ética à usura.

                                                                                                  • Turismo “Muslim-Friendly”: viagens e hospitalidade adaptadas (hijab-friendly services, refeições halal, espaços para oração) com forte procura global.

                                                                                                  • Moda modesta e cosmética halal: roupa e produtos de beleza concebidos segundo requisitos religiosos e de qualidade, com elevado potencial de mercado.


                                                                                                                                PORQUE A ECONOMIA HALAL É ESTRATÉGICA: BENEFÍCIOS SOCIOECONÓMICOS

                                                                                                                                • Mercado resiliente e em expansão: consumidores muçulmanos (e não só) procuram produtos éticos/seguros, a procura por “certificados” aumenta.

                                                                                                                                • Promoção de práticas empresariais éticas: transparência, rastreabilidade e bem-estar animal ganham relevo, beneficiando a confiança do consumidor.

                                                                                                                                • Inclusão financeira: produtos financeiros islâmicos podem melhorar o acesso ao crédito em mercados onde a usura é proibitiva ou culturalmente sensível.

                                                                                                                                • Desenvolvimento local e emprego: investimentos em cadeias de valor halal (produção local, certificação, turismo) geram empregos e diversificam economias.


                                                                                                                                                            DESAFIOS E RISCOS

                                                                                                                                                            • Padronização e confiança na certificação: existe diversidade de normas e entidades certificadoras, a ausência de padrões uniformes cria incerteza para consumidores e exportadores.

                                                                                                                                                            • Risco de “green/halal washing”: quando marcas usam o rótulo halal/puro de forma oportunista sem cumprir requisitos substanciais.

                                                                                                                                                            • Infraestrutura e logística: assegurar cadeias de frio, rastreabilidade e conformidade nas exportações exige investimento.

                                                                                                                                                            • Complexidade regulatória internacional: empresas que querem servir mercados globais enfrentam requisitos variados por país.


                                                                                                                                                                                      OPORTUNIDADES PARA EMPREENDEDORES E POLÍTICAS PÚBLICAS

                                                                                                                                                                                      • Investimento em certificação e rastreabilidade: criar padrões claros e reconhecíveis internacionalmente aumenta confiança e exportações.

                                                                                                                                                                                      • Educação e formação: capacitar produtores e pequenos negócios sobre requisitos halal e oportunidades de mercado.

                                                                                                                                                                                      • Incentivos à FinTech e inovação: soluções tecnológicas (blockchain para rastreabilidade, plataformas de pagamento sharia-compliant) podem acelerar crescimento.

                                                                                                                                                                                      • Parcerias público-privadas: governos e setor privado podem desenvolver clusters halal (agro-indústria, turismo, logística) para criar valor local.


                                                                                                                                                                                                              A economia halal no século XXI combina um vasto potencial económico com valores religiosos e éticos sólidos. Para o crente, escolher halal é um modo de alinhar a vida económica com a lei e a ética islâmica, como nos lembra a Sunnah: a licitude do sustento importa para a aceitação espiritual das ações (Sahih Muslim, Hadith 1015). Ao mesmo tempo, para investidores e políticas públicas, o mercado halal representa uma oportunidade estratégica: é grande, em crescimento e cada vez mais integrado nas cadeias globais. Investir na confiança através de padrões, certificação, inovação e formação, é o caminho para desbloquear plenamente o poder desta economia.


                                                                                                                                                                                                              DICIONÁRIO:

                                                                                                                                                                                                              • Allah - Deus, em árabe. A palavra é usada por muçulmanos e também por cristãos e judeus de língua árabe
                                                                                                                                                                                                              • S.W.T - Subhānahu wa ta‘ālā, expressão usada após mencionar Allah, que significa “Glorificado e Exaltado seja Ele”
                                                                                                                                                                                                              • S.A.W - Sallallāhu ‘alayhi wa sallam, expressão dita após mencionar o Profeta Muhammad, que significa “Que Allah o abençoe e lhe conceda paz”
                                                                                                                                                                                                              • Halal - lícito, em árabe, refere-se ao que é permitido por Allah (S.W.T) nas áreas da alimentação, comportamento e negócios.

                                                                                                                                                                                                              • Sharia - lei islâmica, em árabe, conjunto de princípios e normas baseadas no Alcorão e na Sunnah que orientam a vida do muçulmano.

                                                                                                                                                                                                              • Riba - usura ou juros injustos, em árabe, é proibido no Islão por implicar exploração e injustiça nas transações financeiras.

                                                                                                                                                                                                              • Tayyib - puro e bom, em árabe, refere-se ao que é saudável, lícito e de qualidade, especialmente em relação aos alimentos.

                                                                                                                                                                                                              • Sukuk - certificados islâmicos, em árabe, são instrumentos financeiros equivalentes a obrigações, estruturados de acordo com a Sharia, sem juros (riba).

                                                                                                                                                                                                              • Takaful - seguro cooperativo islâmico, em árabe, sistema de partilha de riscos baseado na solidariedade e no apoio mútuo, conforme a Sharia.

                                                                                                                                                                                                              • FinTech - tecnologia financeira, no contexto islâmico refere-se a soluções tecnológicas que oferecem produtos e serviços compatíveis com a Sharia.

                                                                                                                                                                                                              • Alcorão - livro sagrado do Islão (Al-Qur’ān, em árabe), considerado a palavra revelada de Allah (S.W.T) ao Profeta Muhammad (S.A.W).

                                                                                                                                                                                                              • Sunnah - prática ou tradição, em árabe, refere-se ao exemplo do Profeta Muhammad (S.A.W) transmitido pelos hadiths, que orienta o comportamento dos muçulmanos.

                                                                                                                                                                                                              • Hadith - relato ou tradição, em árabe, regista as palavras, ações e aprovações do Profeta Muhammad (S.A.W) e serve de guia complementar ao Alcorão.

                                                                                                                                                                                                              Adicionar comentário

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