INVESTIMENTOS COMPATÍVEIS COM O ISLÃO

Publicado em 28 de setembro de 2025 às 08:00

Investir de acordo com os princípios da Sharia vai além de simplesmente evitar setores proibidos. Trata-se de alinhar o capital a valores éticos, justiça e sustentabilidade, fundamentados solidamente nos ensinamentos do Alcorão e da Sunnah. Este guia oferece uma abordagem detalhada sobre os fundamentos religiosos, os instrumentos permitidos, os riscos a serem evitados e as etapas específicas para aqueles que desejam investir em conformidade com os preceitos islâmicos, com base nas orientações oficiais do Alcorão e da Sunnah.

FUNDAMENTOS RELIGIOSOS RELEVANTES

                                  • Busca do lícito (tayyib): O Alcorão ordena o consumo e a procura do que é bom e lícito. Isto aplica-se também ao sustento e aos rendimentos financeiros: o ganho deve ser lícito e puro para ser aceitável perante Allah (S.W.T).

                                    • “Ó vós que credes! Comei do que é lícito e bom (tayyib) do que vos proporcionámos, e agradecei a Allah, se é a Ele que adorais.” - (Alcorão, 2:172)

                                  • Proibição do riba (usura/juro injusto): O Alcorão condena o riba e incentiva formas de troca e comércio justas.

                                    • “Aqueles que comem riba (usura) não se levantarão senão como aquele que foi tocado pelo demónio, devido à sua loucura. Isso porque dizem: ‘O comércio é igual ao riba.’ Mas Allah permitiu o comércio e proibiu o riba. Quem receber um aviso da sua parte e depois cessar, terá o que já aconteceu; o seu assunto fica com Allah. Mas quem voltar a fazê-lo, esses são os companheiros do Fogo — eternamente nele permanecerão.” - (Alcorão, 2:275)

                                  • Transparência e contratos claros: O Alcorão orienta a registar contratos e evitar disputas por causa de transações ambíguas.

                                    • “Ó vós que credes! Quando contratares uma dívida por um prazo determinado, escrevei-a. Que um escrivão escreva com justiça entre vós. O escrivão não deve recusar escrever, como Allah o ensinou, então deve escrever. E que o devedor dite com justiça, e que ele tema Allah, seu Senhor, e não diminua nada disso. Se o devedor for incapaz de ditar, então que o seu guardião dite com justiça. E chamai duas testemunhas dentre os vossos homens; e se não houver dois homens, então um homem e duas mulheres, para que, se uma delas se esquecer, a outra a lembre. Testemunhar é mais adequado para Allah e mais firme para o testemunho e mais provável de não errar. E não omitais a escrita, seja ela pequena ou grande, até ao seu vencimento. Isso é mais justo aos olhos de Allah e mais seguro para testemunhar e mais conveniente para evitar dúvida. A menos que seja uma transação imediata, que se faça entre vós, então não há pecado em não a escrever. Tomai testemunhas quando celebrares contratos entre vós. E não prejudiqueis o escrivão nem as testemunhas. Se o fizerdes, certamente será injustiça de vossa parte. E temei Allah. Allah ensina-vos; e Allah tem conhecimento de todas as coisas.” - (Alcorão, 2:282)

                                  • Ligação entre licitude do sustento e aceitação das ações: A Sunnah lembra que Allah (S.W.T) aceita apenas o que é puro e lícito, um princípio aplicado à origem dos rendimentos.

                                    • “Ó povo! Allah é Bom e, por isso, aceita apenas o que é bom. Allah ordenou aos crentes tal como ordenou aos Mensageiros: ‘Ó Mensageiros, comei do que é bom e praticai boas obras; em verdade Eu conheço bem o que fazeis’ (23:51). E disse: ‘Ó vós que credes, comei das coisas boas com que vos providenciámos’ (2:172).
                                      Em seguida, mencionou uma pessoa que viaja longamente, com o cabelo desgrenhado e coberto de pó. Levanta as mãos para o céu, dizendo: ‘Ó Senhor, Ó Senhor!’, enquanto o seu sustento é ilícito — a sua alimentação, bebida, roupa e sustento não são lícitos. Como poderá então a sua súplica ser aceite?” - (Sahih Muslim, Hadith n.º 1015)


                                  PRINCÍPIOS DE INVESTIMENTO COMPATÍVEIS COM A SHARIA

                                  • Evitar riba: Produtos que geram juros explícitos são proibidos.

                                  • Evitar gharar (incerteza excessiva): Contratos com ambiguidade substancial ou especulação extrema devem ser evitados.

                                  • Evitar atividades haram: Indústrias como álcool, jogos de sorte, pornografia, produção/negócio com carne de porco, e algumas formas de entretenimento são proibidas para investimento.

                                  • Assegurar participação em risco e lucro: Estruturas baseadas em partilha de risco (equity, parceria) preferem-se às devedor/credor com juros fixos.

                                  • Transparência e compliance: Auditoria, rastreabilidade e aprovação por um Conselho de Sharia são indicadores-chave.


                                                                INSTRUMENTOS ISLÂMICOS COMUNS E COMO FUNCIONAM

                                                                • Mudarabah (contrato de parceria por partilha): Um parceiro fornece capital, o outro gere o negócio. Lucros partilham-se segundo acordo, prejuízos suportam-se pelo detentor do capital (desde que não haja negligência).

                                                                • Musharakah (parceria conjunta): Todos os parceiros investem capital e partilham lucros e perdas proporcionalmente ou conforme acordado.

                                                                • Ijara (arrendamento): Semelhante a leasing: o investidor compra um ativo e aluga a terceiros, com rendimento sharia-compliant.

                                                                • Sukuk (certificados): Equivalente a obrigações estruturadas sem riba: representam participação numa base de ativos que gere rendimento.

                                                                • Takaful: Sistema de mutual insurance conforme princípios islâmicos (solidariedade e partilha de risco).

                                                                • Ações sharia-compliant / ETFs islâmicos: Ações de empresas que passam por filtros (sem riba relevante, sem atividades haram, e com níveis aceitáveis de endividamento e liquidez).


                                                                                            CRITÉRIOS DE SCREENING (FILTROS PRÁTICOS)

                                                                                              Para avaliar se um ativo ou fundo é compatível:

                                                                                              • Setor de atividade: Não pode ser haram (álcool, jogos, tabaco em alguns critérios, pornografia, produção de carne de porco, etc.).
                                                                                              • Rácio de endividamento e riba: Muitas metodologias admitem limites concretos (ex.: dívida líquida / capital < X%), valores exatos variam entre académicos e comités de Sharia.
                                                                                              • Rendimentos não-operacionais: Receitas de juros ou atividades proibidas devem ser insignificantes (normalmente há um limite percentual residual aceitável e procedimentos de purificação).
                                                                                              • Gharar/Especulação: Excluir instrumentos com elevada especulação (alguns derivados) ou contratos extremamente incertos.

                                                                                                                          ETAPAS PRÁTICAS DE COMO ESCOLHER PRODUTOS

                                                                                                                            • Definir objetivos e horizonte: curto, médio ou longo prazo, rendimento vs preservação de capital.

                                                                                                                            • Procurar certificação Sharia: fundos, sukuk e produtos com pareceres de um Conselho de Sharia reconhecido.

                                                                                                                            • Análise de compliance: verificar o relatório anual de Sharia, nível de receita não-compliant e política de purificação.

                                                                                                                            • Diversificação: usar múltiplos instrumentos: ações sharia-compliant, sukuk, imobiliário (estrutura ijara), e depósitos islâmicos.

                                                                                                                            • Avaliar governança e transparência: conselhos independentes, auditorias e divulgação pública.

                                                                                                                            • Planeamento fiscal e regulatório: considerar imposto sobre ganhos e requisitos legais no país de residência (ex.: Portugal).


                                                                                                                                                      O QUE É A ESTRUTURA IJARA

                                                                                                                                                      A estrutura Ijara é um tipo de contrato financeiro islâmico baseado no arrendamento ou leasing.
                                                                                                                                                      Funciona de forma simples:

                                                                                                                                                      • Uma instituição (banco ou investidor) compra um bem (por exemplo, um imóvel, um carro, um equipamento).

                                                                                                                                                      • Esse bem é depois arrendado ao cliente por um período e um valor acordado.

                                                                                                                                                      • No final do contrato, pode existir ou não a transferência de propriedade para o cliente (dependendo do tipo de Ijara: simples ou Ijara wa Iqtina, que é o leasing com opção de compra).

                                                                                                                                                      O ponto essencial é que, na Ijara, o proveito financeiro do investidor vem do uso do bem (renda) e não de juros (riba), o que a torna compatível com a Sharia.


                                                                                                                                                                              RISCOS E LIMITAÇÕES A TER EM CONTA

                                                                                                                                                                                • Padronização limitada: diferentes jurisdições e conselhos de Sharia aplicam filtros distintos: o que é aceitável numa casa de Sharia pode ser rejeitado noutra.

                                                                                                                                                                                • Risco de liquidez: alguns instrumentos (ex.: sukuk ou ativos reais) podem ser menos líquidos que títulos convencionais.

                                                                                                                                                                                • Rendibilidade vs conformidade: instrumentos 100% conformes nem sempre oferecem os mesmos rendimentos de alternativas convencionais, há trade-offs.

                                                                                                                                                                                • Necessidade de due diligence adicional: verificações técnicas sobre contratos mudarabah/musharakah e documentos legais.


                                                                                                                                                                                                        EXEMPLIFICAÇÕES PRÁTICAS (CENÁRIOS)

                                                                                                                                                                                                        • Investidor conservador: depósitos islâmicos (sem juros), sukuk de qualidade, e fundos de rendimento moderado sharia-compliant.

                                                                                                                                                                                                        • Investidor com horizonte médio: combinação de ações sharia-compliant (ETFs islâmicos) e sukuk, diversificação geográfica.

                                                                                                                                                                                                        • Empreendedor: financiamento por musharakah/mudarabah para projetos produtivos (startups, imobiliário com ijara), evitando empréstimos com juros.


                                                                                                                                                                                                                              A PERSPECTIVA DO ALCORÃO E DA SUNNAH (APLICÁVEL AO INVESTIMENTO)

                                                                                                                                                                                                                              • Comércio é permitido, riba é proibido: O Alcorão traz orientação explícita sobre a proibição do riba e a permissão do comércio justo: isto justifica estruturas de partilha de risco e produtos sem juros.

                                                                                                                                                                                                                                • “Aqueles que comem riba (usura) não se levantarão senão como aquele que foi tocado pelo demónio, devido à sua loucura. Isso porque dizem: ‘O comércio é igual ao riba.’ Mas Allah permitiu o comércio e proibiu o riba. Quem receber um aviso da sua parte e depois cessar, terá o que já aconteceu; o seu assunto fica com Allah. Mas quem voltar a fazê-lo, esses são os companheiros do Fogo — eternamente nele permanecerão.” - (Alcorão, 2:275)

                                                                                                                                                                                                                              • Importância da licitude do sustento: A Sunnah lembra que Allah (S.W.T) aceita apenas o que é puro e lícito, por isso a origem dos ganhos importa espiritualmente.

                                                                                                                                                                                                                                • “Ó povo! Allah é Bom e, por isso, aceita apenas o que é bom. Allah ordenou aos crentes tal como ordenou aos Mensageiros: ‘Ó Mensageiros, comei do que é bom e praticai boas obras; em verdade Eu conheço bem o que fazeis’ (23:51). E disse: ‘Ó vós que credes, comei das coisas boas com que vos providenciámos’ (2:172).

                                                                                                                                                                                                                                  Em seguida, mencionou uma pessoa que viaja longamente, com o cabelo desgrenhado e coberto de pó. Levanta as mãos para o céu, dizendo: ‘Ó Senhor, Ó Senhor!’, enquanto o seu sustento é ilícito — a sua alimentação, bebida, roupa e sustento não são lícitos. Como poderá então a sua súplica ser aceite?” - (Sahih Muslim, Hadith n.º 1015)
                                                                                                                                                                                                                              • Ética nos negócios: A Sunnah elogia o comerciante honesto e condena fraude e engano: princípios essenciais na due diligence e governança.

                                                                                                                                                                                                                                • “Quem engana, não faz parte de nós.” - (Sahih Muslim, Hadith n.º 102)

                                                                                                                                                                                                                                                  Os investimentos compatíveis com os princípios islâmicos representam uma alternativa ética e em constante crescimento, permitindo a harmonização das finanças pessoais com valores religiosos. Por meio da ênfase na partilha de riscos, na proibição de riba e atividades consideradas haram, bem como na promoção da transparência, o modelo econômico islâmico apresenta oportunidades sólidas. Essas oportunidades atendem tanto aos muçulmanos que almejam cumprir os preceitos da Sharia quanto aos investidores que valorizam práticas alinhadas aos critérios ESG e princípios éticos. É importante destacar que o objetivo não se limita à geração de rendimento, mas também à busca de um sustento lícito perante Allah (S.W.T.), conduzindo-se com integridade e responsabilidade.


                                                                                                                                                                                                                                                  DICIONÁRIO:

                                                                                                                                                                                                                                                  • Allah - Deus, em árabe. A palavra é usada por muçulmanos e também por cristãos e judeus de língua árabe
                                                                                                                                                                                                                                                  • S.W.T - Subhānahu wa ta‘ālā, expressão usada após mencionar Allah, que significa “Glorificado e Exaltado seja Ele”
                                                                                                                                                                                                                                                  • S.A.W - Sallallāhu ‘alayhi wa sallam, expressão dita após mencionar o Profeta Muhammad, que significa “Que Allah o abençoe e lhe conceda paz”
                                                                                                                                                                                                                                                  • Halal - lícito, em árabe, refere-se ao que é permitido por Allah (S.W.T) nas áreas da alimentação, comportamento e negócios.

                                                                                                                                                                                                                                                  • Sharia - lei islâmica, em árabe, conjunto de princípios e normas baseadas no Alcorão e na Sunnah que orientam a vida do muçulmano.

                                                                                                                                                                                                                                                  • Riba - usura ou juros injustos, em árabe, é proibido no Islão por implicar exploração e injustiça nas transações financeiras.

                                                                                                                                                                                                                                                  • Tayyib - puro e bom, em árabe, refere-se ao que é saudável, lícito e de qualidade, especialmente em relação aos alimentos.

                                                                                                                                                                                                                                                  • Sukuk - certificados islâmicos, em árabe, são instrumentos financeiros equivalentes a obrigações, estruturados de acordo com a Sharia, sem juros (riba).

                                                                                                                                                                                                                                                  • Takaful - seguro cooperativo islâmico, em árabe, sistema de partilha de riscos baseado na solidariedade e no apoio mútuo, conforme a Sharia.

                                                                                                                                                                                                                                                  • ETFs - fundos negociados em bolsa, em inglês. São instrumentos financeiros que reúnem diversos ativos (como ações ou obrigações) num único fundo e são comprados e vendidos como ações numa bolsa de valores.

                                                                                                                                                                                                                                                  • Alcorão - livro sagrado do Islão (Al-Qur’ān, em árabe), considerado a palavra revelada de Allah (S.W.T) ao Profeta Muhammad (S.A.W).

                                                                                                                                                                                                                                                  • Sunnah - prática ou tradição, em árabe, refere-se ao exemplo do Profeta Muhammad (S.A.W) transmitido pelos hadiths, que orienta o comportamento dos muçulmanos.

                                                                                                                                                                                                                                                  • Hadith - relato ou tradição, em árabe, regista as palavras, ações e aprovações do Profeta Muhammad (S.A.W) e serve de guia complementar ao Alcorão.

                                                                                                                                                                                                                                                  Adicionar comentário

                                                                                                                                                                                                                                                  Comentários

                                                                                                                                                                                                                                                  Ainda não há comentários.