O Islão é uma religião que valoriza o trabalho, o esforço e a honestidade, encorajando os crentes a serem produtivos e a contribuírem para o bem comum. O empreendedorismo, quando praticado de acordo com os princípios islâmicos, torna-se não apenas uma forma de sustento, mas também um ato de adoração (ʿibādah).
O VALOR DO TRABALHO NO ISLÃO
O Islão não vê o trabalho apenas como uma necessidade material, mas como uma forma de buscar a bênção e a satisfação de Allah (S.W.T). O Alcorão ensina:
“E diz: Trabalhai! E Allah verá o vosso trabalho, assim como o Seu Mensageiro e os crentes.”
(Alcorão 9:105)
O Profeta Muhammad (S.A.W) também enfatizou a dignidade do trabalho:
“O Profeta (ﷺ) disse: "Ninguém jamais comeu uma refeição melhor do que aquela que ganhou com o trabalho das suas próprias mãos. O Profeta (ﷺ) de Allah, David, costumava comer do que ganhava com o seu trabalho manual."”
(Sahih al-Bukhari, nº2072)
Isto mostra que o esforço honesto e o sustento lícito (halal) são formas de adoração e merecem grande recompensa.
O PROFETA MUHAMMAD (S.A.W.) COMO EXEMPLO DE EMPREENDEDORISMO
Antes da revelação, o Profeta Muhammad (S.A.W.) foi um comerciante honesto e bem-sucedido. Trabalhou para Khadijah bint Khuwaylid (R.A.), uma mulher de negócios respeitada em Meca. A sua reputação era de integridade, justiça e confiança, tanto que foi apelidado de Al-Amīn — “O Confiável”.
O seu comportamento no comércio é um exemplo vivo de como o Islão vê o empreendedorismo: com transparência, justiça e respeito mútuo. O Profeta (S.A.W.) disse:
“Abu Sa'eed narrou que o Profeta (ﷺ) disse: "O comerciante verídico e digno de confiança estará com os Profetas, os verídicos e os mártires."
[Abu 'Eisa disse:] Este Hadith é Hasan (bom/aceitável), e só o conhecemos por esta via, uma narração de Ath-Thawri de Abu Hamzah. O nome de Abu Hamzah é 'Abdullah bin Jabir, e ele é um Shaikh (mestre/erudito) de Al-Basrah.”
(Sunah at-Tirmidhi, nº 1209)
PRINCÍPIOS ISLÂMICOS DO EMPREENDEDORISMO
O Islão estabelece diretrizes éticas claras para o comércio e os negócios. Estes princípios não apenas fortalecem a economia, mas também preservam a moral e a justiça social.
- HONESTIDADE E TRANSPARÊNCIA
- A honestidade é a base do sucesso no comércio islâmico. O Profeta (S.A.W.) disse: “Quem engana não é dos nossos.” (Sahih Muslim, nº 102). Esconder defeitos num produto ou mentir sobre o seu valor é um pecado e anula a bênção (barakah) do negócio.
- JUSTIÇA E EQUILÍBRIO
- O Islão proíbe a exploração e a usura (riba), promovendo negócios baseados em equidade e partilha de risco. “Os que praticam a usura só serão ressuscitados como aquele que foi perturbado por Satanás; isso, porque disseram que a usura é o mesmo que o comércio; no entanto, Deus consente o comércio e veda a usura. Mas, quem tiver recebido uma exortação do seu Senhor e se abstiver, será absolvido pelo passado, e seu julgamento só caberá a Deus. Por outro lado, aqueles que reincidirem, serão condenados ao inferno, onde permanecerão eternamente.” (Alcorão, 2:275). O empreendedor deve procurar lucro justo, sem prejudicar o cliente ou parceiro.
- CONFIANÇA E PARCERIA
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O sistema islâmico de comércio valoriza a confiança (amānah) e a cooperação (taʿāwun). Modelos como mudarabah (parceria entre investidor e gestor) e musharakah (associação de capital) são formas tradicionais de empreendedorismo islâmico, ainda hoje aplicadas em finanças éticas.
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- RESPONSABILIDADE SOCIAL
- O empreendedor muçulmano deve ter consciência do seu papel na comunidade. Através do zakat (caridade obrigatória) e da sadaqah (caridade voluntária), ele devolve parte do seu lucro à sociedade, contribuindo para reduzir desigualdades. “E em cujos bens há uma parcela intrínseca, para o mendigo e o desafortunado.” (Alcorão, 70:24-25)
- BUSCAR O LÍCITO (HALAL)
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O lucro só é abençoado quando a atividade é lícita. É proibido lucrar com o álcool, a usura, o jogo, a fraude, a exploração ou qualquer coisa que Allah (S.W.T) tenha proibido. O Profeta (S.A.W.) disse: “Ó, Povo, Allah é Bom e, portanto, Ele só aceita aquilo que é bom.” (Sahih Muslim, nº 1015)
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O EMPREENDEDOR COMO AGENTE DE BEM
O verdadeiro empreendedor islâmico não vê o sucesso apenas em números, mas em bênçãos (barakah). Ele gere o seu negócio com consciência espiritual, sabendo que cada decisão será julgada por Allah (S.W.T). Ser empreendedor é também servir os outros: criar empregos, apoiar famílias, fornecer produtos e serviços úteis. Tudo isso é adoração quando feito com sinceridade e justiça.
O EQUILÍBRIO ENTRE O MUNDO E A FÉ
O Islão ensina o equilíbrio entre a vida espiritual e a vida económica. O Alcorão orienta:
“Mas procura, com aquilo com que Deus te tem agraciado, a morada do outro mundo; não te esqueças da tua porção neste mundo, e sê amável, como Deus tem sido para contigo, e não semeies a corrupção na terra, porque Deus não aprecia os corruptores.”
(Alcorão, 28:77)
Este versículo resume o espírito do empreendedorismo islâmico: trabalhar no mundo com os olhos voltados para o além.
O empreendedorismo islâmico é um caminho de fé, ética e propósito. Inspirado pelo exemplo do Profeta Muhammad (S.A.W.) e guiado pelos ensinamentos do Alcorão, o muçulmano é chamado a construir, inovar e prosperar. Sempre com honestidade, justiça e compaixão.
Ser empreendedor, segundo os princípios islâmicos, é servir Allah (S.W.T) através do trabalho, buscando o sustento lícito e contribuindo para o bem de toda a comunidade.
“A quem praticar o bem, seja homem ou mulher, e for fiel, concederemos uma vida agradável e premiaremos com uma recompensa, de acordo com a melhor das ações.”
(Alcorão, 16:97)
DICIONÁRIO:
- Allah - Deus, em árabe. A palavra é usada por muçulmanos e também por cristãos e judeus de língua árabe
- S.W.T - Subhānahu wa ta‘ālā, expressão usada após mencionar Allah, que significa “Glorificado e Exaltado seja Ele”
- S.A.W - Sallallāhu ‘alayhi wa sallam, expressão dita após mencionar o Profeta Muhammad, que significa “Que Allah o abençoe e lhe conceda paz”
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Halal - lícito, em árabe, refere-se ao que é permitido por Allah (S.W.T) nas áreas da alimentação, comportamento e negócios.
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Riba - usura ou juros injustos, em árabe, é proibido no Islão por implicar exploração e injustiça nas transações financeiras.
- ʿIbādah - Adoração ou serviço a Allah (Deus). Refere-se a todos os atos de submissão e obediência a Deus, abrangendo tanto os rituais religiosos (como oração e jejum) quanto as ações diárias realizadas com a intenção de agradá-Lo.
- Barakah - Bênção, abundância ou graça divina. Refere-se a uma bênção que traz crescimento espiritual, prosperidade, ou que faz com que algo pequeno dure ou seja suficiente de forma milagrosa.
- Amānah - Confiança ou depósito. Refere-se a um dever de confiança, que pode ser um objeto físico, uma responsabilidade, ou até mesmo os deveres religiosos e a vida em si, que são considerados uma confiança (depósito) de Deus.
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Taʿāwun - Cooperação ou ajuda mútua. A colaboração na bondade e na retidão, e a proibição de cooperar no pecado e na transgressão.
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Mudarabah - Um tipo de parceria de investimento no sistema financeiro islâmico. Um parceiro fornece o capital (rabb-ul-mal) e o outro fornece o trabalho e gestão (mudarib). O lucro é compartilhado em uma proporção pré-acordada, e a perda é suportada apenas pelo provedor de capital (exceto em casos de negligência do gestor).
- Rabb-ul-Mal - O provedor de capital (ou Investidor). Fornece todo o capital (dinheiro) para o empreendimento. Atua como sócio passivo. Suporta todo o prejuízo financeiro do negócio (perda do capital).
- Mudarib - O gestor (ou Sócio-Trabalhador). Fornece a gestão, o trabalho e a experiência para conduzir o negócio. Atua como sócio ativo. Não suporta o prejuízo financeiro, a menos que haja negligência, desonestidade ou quebra do contrato. Seu "prejuízo" é a perda do tempo e esforço.
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Musharakah - Um tipo de parceria conjunta no sistema financeiro islâmico. Dois ou mais parceiros contribuem com capital para um empreendimento, e todos os parceiros têm o direito de participar da gestão. Lucros são compartilhados em proporções acordadas, e as perdas são compartilhadas na proporção exata da contribuição de capital.
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Zakat - Esmola obrigatória ou imposto purificador. É um dos cinco pilares do Islão, sendo uma porcentagem obrigatória da riqueza (que atinge um certo limite, ou nisab) a ser paga anualmente a categorias específicas de necessitados. Serve para purificar a riqueza e redistribuí-la.
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Sadaqah - Caridade voluntária. É um ato de doação voluntária, que pode ser em dinheiro, bens, ou mesmo um bom ato ou um sorriso, feito com a pura intenção de agradar a Deus. É mais amplo do que o zakat e não é obrigatório, mas altamente recomendado.
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Alcorão - livro sagrado do Islão (Al-Qur’ān, em árabe), considerado a palavra revelada de Allah (S.W.T) ao Profeta Muhammad (S.A.W).
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Sunnah - prática ou tradição, em árabe, refere-se ao exemplo do Profeta Muhammad (S.A.W) transmitido pelos hadiths, que orienta o comportamento dos muçulmanos.
- Hadith - relato ou tradição, em árabe, regista as palavras, ações e aprovações do Profeta Muhammad (S.A.W) e serve de guia complementar ao Alcorão.
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